domingo, 31 de março de 2013

Gatto Randagio*

Hoje quando cheguei a casa a primeira coisa que vi foi o meu gato a dormir no quintal. Via-se bem à distância, um gato amarelo peludo a dormir que nem leão adormecido. Aproximei-me do portão verde escuro e, enquanto me inclinei para abrir o portão espreitei por entre as brechas, sorri por notar que o gato ainda não tinha dado por mim. Três passos, três segundos passaram e um olho verde espreita. Assim que me vê desperta completamente e espreguiça-se com uma elegância felina que muitas pessoas gostariam de ter. Disse-lhe, então: 'Simba lindo!!' Ele respondeu com um miau atrevido e aproximou-se para que eu lhe pudesse dar colo. 

A vida é feita de contradições. Tudo à minha volta tem uma contradição, que às vezes grita para ser ouvida, outras vezes tenta passar despercebida. Quando estudava a língua portuguesa dentro de uma sala de aula - já que nunca paramos mesmo de a aprender - nunca gostava dos exercícios com sinónimos e antónimos. Podiam vocês perguntar: 'Então, mas isso não é fácil?'. Precisamente. É demasiado fácil dizer o que é contrário. E é demasiado limitativo dizer o que é sinónimo. 

Contudo, dou por mim a reparar nas contradições das pessoas à minha volta. A minha avó materna é e sempre foi uma pessoa extraordinariamente independente que não tem medo de pedir qualquer coisa a um estranho, e no entanto, é incapaz de pedir um abraço a quem a conhece bem. Aprendi a ver uma tristeza doce nos pensamentos (sonoros e outros) do meu pai, mas é com ele que dou as gargalhadas mais inesperadas. A minha mãe chora quando vê filmes, quando ouve um fado sobre um cavalo com um triste destino. Chora. E ponto final. Mas a minha mãe tem uma força corajosa muito materna que muitas mães desejariam ter.

Sou a pessoa mais contraditória que conheço. Também sou a pessoa que melhor conheço. Delicio-me a descobrir as minhas fendas, rio-me com os meus clichés e, sobretudo, canso-me por causa das minhas imperfeições. Construí um muro alto que já ameaçou ruir, mas nunca caiu. Sou romântica, leio histórias de amor, vejo os clássicos e desejo viver a preto e branco. Mas vivo sozinha comigo, nunca preciso de ninguém e todos os dias alguém me faz falta. Sou incapaz de conceber a vida sem liberdade, só que ser livre, muitas vezes, é ser se solitário. E é aí que invejo as aclamadas personagens da Audrey Hepburn. É aí que escrevo poesia. É aí que ouço cantigas de amor. E depois farto-me de querer lamechices e corro. Corro a sete pés. Mergulho bem fundo e abano a barbatana sem olhar para trás. Afinal sou tal e qual o meu gato.

O meu Simba já é velhote. É um gatto randagio com o seu pêlo selvagem, mas basta olhar-lhe nos olhos, quando está aninhado no meu colo, para perceber que é um amigo precioso. O meu gato é uma contradição, tem o melhor dos dois mundos: a liberdade e o amor incondicional de quem ele próprio escolheu. 

* Gatto randagio significa na língua italiana gato vadio

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